domingo, 18 de outubro de 2009

Fernando Pessoa, indisciplinador

Consciente de todos estes recursos de acção cultural, Pessoa sentiu-se um dos «criadores da consciência do mundo». Aparentemente, era apenas um correspondente comercial dado à bebida pelos cafés e tabernas da baixa de Lisboa. No entanto, sabia que, em termos de aparência, também Shakespeare, em vida, fora apenas um «dramaturgo atabalhoado», Milton um «mestre escola» e Dante «um vadio» (Obras, vol. II, 897). Os amigos sempre o consideraram «um dos maiores poetas contemporâneos», e ele deve ter concordado com eles (Obras, vol. II, P. I93). Pessoa não foi discreto: interveio quanto pôde, e publicou quanto pôde, ou o que mais lhe interessou publicar. Dispunha de acesso directo a tipografias, dirigiu editoras e várias revistas, e tinha um claro entendimento do que era a actividade editorial. Todas as oportunidades lhe serviram para «indisciplinar». Sobre ele, na Lisboa de 1920 não havia desconhecimento, mas silêncio, provocado por irritação e incomodidade. Em 1915, na secção de crítica do Jornal, em 1915, Pessoa publicara textos chocarreiros e ofensivos para as sumidades literárias, jornalísticas e científicas de Lisboa, chamando «criminoso» e «idiota» a Afonso Lopes Vieira e classificando Manuel de Sousa Pinto como «crítico de segunda ordem», «caricatura de si próprio», e distribuindo outros insultos a João de Barros, F. Adolfo Coelho, Júlio Dantas, ou Júlio de Matos. A sua entrevista à Revista Portuguesa, - de 13 de Outubro de 1923, é de um inusitado tom intempestivo, como se se quisesse indispor com todos: contra os «nacionalistas», a quem chama gordurosos; contra os da Seara Nova, fazendo a apologia do Bandarra, que eles detestavam; e finalmente contra a «proletariagem», a quem classifica de «subgente». Não tinha piedade por ninguém: «Há só um período de criação na nossa história literária: não chegou ainda.» E continuou sempre neste estilo: em 1928, defendeu a ditadura militar; em 1935, a maçonaria, depois de publicar a Mensagem e ter aceitado um prémio do Secretariado Nacional de Propaganda. Não era igual aos outros. Uma namorada de escritório que teve em 1920 (aos 31 anos), diria anos depois que «o Fernando era uma pessoa muito especial. Toda a sua maneira de ser, de sentir, de se vestir até, era especial». Nunca aceitou reconhecer o namoro, ser apresentado à família. «Isso é de gente vulgar», protestou sempre. A sua maneira intempestiva mais o deve ter isolado, mesmo entre prováveis admiradores. João Gaspar Simões conta como José Régio se calou sobre Pessoa depois de este o ter chocado com os seus modos irreverentes. Pessoa nunca foi geralmente estimado
Rui Ramos, in História de Portugal, P. 664, Ed. Círculo de Leitores, 1994

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